'Queremos limpar a dignidade', diz irmã de pai de família executado pela PM
Redação/RedeTV!*"O que dói é ver meu irmão ser morto como uma marginal", afirma M. Z., autônoma, de 56 anos, à reportagem da RedeTV!, 48 horas após a execução de seu irmão, o ajudante de manutenção Evaldo Bento de Souza, de 44 anos, natural de Santo Antônio do Grama (MG) e conhecido entre familiares e amigos como Dinho. Ele foi alvejado por volta das 21h30 de domingo (1/03), em frente ao cemitério Jardim São Luiz, na zona sul de São Paulo, onde foi enterrado às 10h30 de terça-feira (3/03). Ao todo, foram três tiros: dois próximos aos ombros, nas costas, e um nos testículos. Apesar de ter sido baleado a cerca de 4 minutos do hospital do Campo Limpo, a vítima foi levada até o hospital do M'Boi Mirim, distante 20 minutos dali sem trânsito.
A versão dada pelos policiais militares envolvidos no caso aos familiares, logo quando aconteceu o crime, é de que ocorreu um tiroteio. Dinho estava sozinho no automóvel. Uma arma, calibre .32 foi encontrada dentro do carro. No banco traseiro, onde Dinho não conseguiria alcançar. No B. O. (Boletim de Ocorrências), o revólver encontrado é um calibre .38, de marca Rossi, com numeração raspada. Os agentes também informaram que havia um pacote de ervas esverdeadas, depois identificado como um pacote de maconha. Tudo desmentido pela família e por pessoas que estavam no cemitério no momento da execução, velando o corpo de um familiar. As testemunhas oculares relataram terem visto o assassinato. Depois, gravaram os agentes colocando luvas e, com os dedos, pressionando as balas mais fundo dentro do corpo de Evaldo, que agonizava. Quando se viram sob câmeras de celulares, os policiais obrigaram, através de ameaça, a excluírem as provas.
Evaldo Bento de Souza é mais uma vida tirada de forma violenta por agentes da lei. Na última estatística elaborada pela Ouvidoria das Polícias do Estado de São Paulo, contabilizam-se 118 mortes decorrentes de intervenção policial apenas nos dois primeiros meses de 2015. Em média, são dois assassinatos por dia. Evaldo não possuía o esteriótipo do suspeito em potencial, que, quase sempre, é jovem, desempregado ou subempregado e/ou com passagem policial. Dinho era um homem de 44 anos, com um emprego estável - há mais de 15 anos na mesma empresa - e não tinha nenhuma passagem na polícia. Inclusive, Dinho, havia trabalhado no domingo, até horas antes de ser morto. Família e amigos lembram que ele era um bom homem e um ótimo pai - além de um menino de 6 anos que teve com a última esposa, Dinho deixa outros dois filhos de outro casamento.
Familiares de Dinho passaram a madrugada anterior à data do enterro no cemitério. A versão da família e dos amigos é de que o ajudante de manutenção estava com sua esposa e mãe de um dos seus filhos dentro do carro, um Peugeot de cor prata, onde Souza foi executado. Eles estariam vindo do bairro de Santo Amaro para a casa onde viviam, a cerca de 500 metros do local do crime. A partir de uma discussão entre eles, tudo teria acontecido. A mulher teria saltado do carro e acionado o 190 da Polícia Militar, relatando uma agressão. A partir daí, a viatura M 01103 da 1ª Companhia do 1° Batalhão, com sede em Santo Amaro, teria dado início a uma perseguição próxima da avenida João Dias com avenida Maria Coelho Aguiar. A perseguição teria durado 3 quilômetros, ou seja, a distância entre a ponte João Dias e a rua Antônio de Sena. Na cena do crime, há ainda relato no B. O. da presença da viatura M 01025, que pertence a unidade de Força-Tática do batalhão. A suspeita da família é de que a esposa de Evaldo tenha ligação direta com o crime. Ela sequer apareceu no enterro do próprio marido.
Uma sobrinha, que pediu para não ser identificada, afirmou à reportagem que seu tio era um pai exemplar. "Capaz de tirar a roupa do corpo para dar aos filhos", diz. No velório, sobrinho, primos, e algumas crianças diziam que o homem era muito bom, presente no ambiente familiar e que fará muita falta. A indignação e revolta, principalmente pela história de que Dinho estava armado, era o que marcava o semblante das pessoas. Para M. Z., seu irmão não pode ser enterrado sem respostas para o que realmente aconteceu. Principalmente, ao que ela chama de "inverdade". "Meu irmão não tinha arma. Eu quero justiça pelo meu irmão. Eu não quero dinheiro do Estado. Meu irmão era incapaz de fazer mal a alguém. Eu vou limpar tudo o que foi passado: droga e arma. É o que eu posso falar no momento. Foi uma emboscada".
De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, Evaldo Bento de Souza deu entrada às 23h32, já morto. A causa da morte foi choque traumático motivado por ferimentos provocados por projéteis de arma de fogo. Os familiares disseram que a esposa avisou, pouco antes das 22h, que Dinho bateu o carro ao fugir da PM. Pouco antes de ser enterrado, com caixão lacrado devido a ferimentos na cabeça, às 9h30, cerca de 40 pessoas carregando cartazes e pedindo justiça deixaram o cerimonial do velório e andaram cerca de 50 metros até o ponto em que Dinho foi morto. Após meia hora de protesto, os amigos e familiares voltaram ao cemitério e enterraram o pai de família. O custo do enterro foi pago pela empresa em que a vítima exercia suas funções profissionais.
O caso poderia ter sido melhor esclarecido pela GCM (Guarda Civil Metropolitana), que tem uma base na frente do local do crime. Procurada, a GCM afirmou que não há câmeras no local. A região é considerada perigosa. Aquela rua já foi a que mais se matava em São Paulo nos finais de semana. A reportagem da RedeTV! saiu do local, a pé, por volta das 22h de segunda-feira (2/3). A rua é escura e deserta. Até os guardas se sentem inseguros. Assim que a reportagem chegou no cemitério, um GCM perguntou: “vieram cobrir a execução de ontem? Foi na covardia. Cercaram ele”.
Outra testemunha ocular que chegou a gravar um vídeo, mas o apagou por temer por sua vida ao passar a madrugada velando um parante, contou aos familiares, que o homem não atirou contra a guarnição da PM. Além dos disparos, que teriam sido dados pelas costas, os PMs também teriam demorado para socorrer a vítima. A testemunha e um funcionário do cemitério narraram como "covardia" o que os PMs fizeram contra Evaldo Bento de Souza.
A ocorrência foi registrada no 47° DP (Capão Redondo), porém, muito mais rápida do que o socorro prestado a Dinho. Segundo o Boletim de Ocorrência, o confronto se deu às 21h25, ou seja, duas horas antes da entrada do corpo no hospital. De acordo com o atestado de óbito, a morte se deu às 23h14 (levando em conta o horário de entrada no hospital, Dinho teria morrido dentro da viatura que o socorreu). Os familiares alegam que chegaram a via do crime às 22h. O trabalhador já não estava mais lá. Após realizar os trâmites, a irmã de Dinho seguiu para o Hospital M'Boi Mirim para a liberação do corpo.
Orientada por funcionários, a familiar procurou o 100° DP (Jardim Herculano) na intenção de solicitar o exame balístico e residuográfico, aquele que aponta vestígios de pólvora e que, poderia, assim, determinar se realmente houve tiroteio. Para a reportagem, M. Z. contou que, na delegacia, um agente informou que o revólver que seu irmão estaria em poder não deixa resquícios. "A arma que ele usava, a pólvora vai para o tambor, só daria para saber se fosse pistola. Trinta e oito não registra". Quem viu o armamento, relata que foi uma .32. Ninguém sabe sequer qual arma foi encontrada no banco de trás do carro que Dinho dirigia.
Procurada, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) afirmou que o delegado Rodrigo Borges Petrilli, titular da equipe A-Sul da 1ª Delegacia da Divisão de Homicídios do DHPP, diz que está investigando o caso. “Ele aguarda o resultado do laudo necroscópico, da balística e de novos depoimentos que serão colhidos. O delegado esclarece que não houve contestação da presença da arma e da maconha no carro. Além disso, um dos familiares confirmou que Evaldo estava armado. A Polícia Militar informa que até o momento não há indícios de irregularidade na ação, mas que qualquer informação será considerada”, informa a pasta, em nota. O familiar que confirmou a arma dentro do carro é a esposa, que fugiu da casa onde vivia após a morte de Evaldo.
A Ouvidoria das Polícias afirmou à reportagem que oficializou o caso na quarta-feira (4/03) e o encaminhou à Corregoria da Polícia Militar e ao MP (Ministério Público). “Que os órgãos escutem a famílias e todas essas testemunhas”, afirmou o ouvidor Julio Cesar Fernandes Neves. Para ele, execuções de suspeitos se tornaram comuns em São Paulo. “É uma situação que tem acontecido com mais franquência do que nos outros anos. Com as câmeras que existem, as pessoas têm registrado muito essa situação. A gente vai pedir que o caso seja analisado pelos órgãos competentes e que os policiais envolvidos sejam afastados imediatamente”, disse Neves.
M. Z. afirma que a família e os amigos estão agora na mesma luta. “Queremos limpar a dignidade de Dinho”.
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* Por Luís Adorno e Paulo Eduardo Dias, especial para a RedeTV!