20/07/2015 09:46:00 - Atualizado em 20/07/2015 12:47:00

Brasil tem uma tentativa de linchamento por dia, aponta pesquisador

Sara Oliveira/RedeTV!

Imagem de jovem preso em poste na zona sul do Rio, em 2014 (Foto: Reprodução/Facebook/Yvonne Bezerra de Mello)

Em julho deste ano, ao menos seis ocorrências de linchamentos foram registradas em duas regiões do País. Alguma destas, como o caso de Cleidenilson Pereira da Silva, linchado até a morte, no último dia 6, ao tentar roubar um bar em São Luís, no Maranhão, ganharam atenção da imprensa e reacenderam o debate sobre a prática de fazer justiça com as próprias mãos.

Somente em São Luís, no Maranhão, depois do episódio que acabou em morte, mais três casos foram noticiados pela imprensa.

No Rio de Janeiro, um suspeito de furto foi amarrado e espancado por populares no dia 8 de julho. E, na última sexta-feira (17), um jovem de 19 anos foi também amarrado e agredido após tentar roubar um posto de gasolina na região de Guapimirim, na Baixada Fluminense. 

A ação que levou a morte violenta de Cleidenilson, e de tantos outros, repetiu uma cena vista no Flamengo, zona sul do Rio de Janeiro, em fevereiro de 2014, quando um jovem, suspeito de praticar furtos, foi amarrado em um poste com uma trava de bicicleta e espancado por 'justiceiros'. Na época, o contra-ataque a bandidos chamou a atenção de ativistas dos direitos humanos, gerou polêmica, mas não impediu que episódios semelhantes começassem a se espalhar pelo país.

Para o sociólogo José de Souza Martins, professor da Universidade de São Paulo (USP), esses casos não são ações isoladas. Segundo sua pesquisa, o Brasil tem, em média, um linchamento ou uma tentativa por dia. Em conversa com o portal da RedeTV!, Martins afirmou que diante dos resultados de sua análise, feita em comparação com dados indicativos que colheu no Brasil, e que leva os últimos 60 anos em conta, acreditar que o Brasil é o país que mais lincha no mundo. 

De acordo com a análise de Martins, compilada no livro "Linchamentos - A justiça popular no Brasil" (Editora Contexto, 2015), em 63 % das episódios, o linchamento ocorre por crimes contra a pessoa e as justiticativas para o ato não mudaram ao longo do tempo. "Os motivos são, hoje, os mesmos de 50 anos atrás: estupros, especialmente de crianças, roubos, assaltos, sobretudo contra pessoas indefesas. O que acontece hoje é que a intolerância se tornou mais intensa e mais visível do que fora até recentemente".

Martins ainda afirma que os casos recentes de linchamentos, como os que ocorreram em São Luís e no Rio de Janeiro, são efeitos da insegurança e do medo da população, mas não refletem um espírito coletivo de impunidade. "Estamos, apenas, vivendo um momento de maior visibilidade do que é traço tradicional da cultura e da sociedade brasileira", afirma.

Segundo levantamento do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), 1179 ocorrências foram registradas no Brasil entre 1980 e 2006. Como o ato não é considerado crime, a pesquisa usa como base o registro feito pela imprensa sobre o tema em cada região do país. Dentro deste período, o ano com mais notícias sobre essa prática foi 1991, com 148 ao todo - foram 59 no estado de São Paulo e outros 35 na Bahia. 

A pesquisadora do NEV-USP Ariadne Natal, autora de tese sobre linchamentos ocorridos na cidade de São Paulo e região metropolitana, entre 1980 e 2009, afirma que esses números, no entanto, podem variar - para mais ou para menos - e que, por isso, não há como precisar o aumento ou a diminuição dos casos.

"Não existem indicações claras que permitam precisar qual o grau de cobertura desta amostras (notícias publicadas) com relação ao universo dos casos concretos (ocorridos)", explica em sua dissertação. "Por esta razão, é preciso ter cuidado quando falamos em aumento ou decréscimo ao longo do tempo, à medida que uma elevação no número a que temos acesso pode indicar, não um aumento de ocorrências, mas um maior interesse da imprensa pelo tema, assim como um decréscimo pode indicar desinteresse em noticiar".

Mortes de inocentes

Sob a justificativa de "fazer justiça", o linchamento por parte da população já matou também inocentes. Entre os episódios de maior repercussão, está a dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, morta após ser espancada por moradores no Guarujá, no litoral de São Paulo, em maio de 2014.

Fabiane morreu após a divulgação de uma foto publicada na página "Guarujá Alerta" no Facebook. A imagem seria o retrato falado de uma sequestradora de crianças, a serem usadas em rituais de magia negra, que os vizinhos atribuiram a Fabiane. Ela foi amarrada, arrastada pelos cabelos, agredida a socos e chutes, e morreu no hospital, dois dias depois.

Após as investigações, os policiais descobriram que a foto era um retrato falado feito de uma suspeita de roubar um bebê do colo da mãe em agosto de 2012. Das acusações, que se mostraram apenas boatos, Fabiane era inocente e morreu sem qualquer possibilidade se defender. 

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