Marcelinho Carioca e Marcos Assunção analisam escassez de gols de falta no Brasileirão
André Lucena e Nelson Coltro/RedeTV!
Gustavo Scarpa é o melhor cobrador de faltas do Brasileirão
(Foto: Nelson Perez/Fluminense)
Um dado preocupante está sendo registrado no Campeonato Brasileiro deste ano. Dos 822 gols realizados nos 340 jogos já disputados no torneio, apenas 14 foram marcados em cobranças diretas de falta.
O número representa 1,7% de todas as bolas que balançaram as redes na competição. Já os 639 gols anotados dentro da área totalizam 77,7%, os 98 de fora da área somam 11,9% e os 71 de pênalti caracterizam 8,6%.
Dos 13 jogadores que fizeram gols de falta neste Brasileirão, apenas Gustavo Scarpa, do Fluminense, anotou dois tentos desta maneira. Já Marinho (Vitória), Lucas Fernandes (São Paulo), Lucas Lima (Santos), Rafael Carioca (Atlético-MG), Diego Souza (Sport), Camilo (Botafogo), Arrascaeta (Cruzeiro), Hyoran (Chapecoense), Juan (Coritiba), Vitor Bueno (Santos), Otero (Atlético-MG) e Arthur Maia (Chapecoense) marcaram um cada em tiros de bola parada. Para se ter uma ideia, 10 dos 20 times participantes do torneio ainda não estufaram as redes desta forma.
Como comparativo, as últimas edições do Campeonato Brasileiro registraram médias muito maiores. Em 2015, foram 29 gols marcados em cobranças de tiro livre. Em 2014, 27 tentos. Em 2013, em uma das médias mais altas dos últimos tempos, impressionantes 46 bolas na rede foram contabilizadas a partir de bolas paradas finalizadas diretamente ao gol.
A escassez aliás é geral. Na temporada 2015/16 do Campeonato Inglês, dos 1.026 gols marcados ao longo das 38 rodadas, apenas 23 foram de falta. Ou seja, média bem inferior a um gol de falta por rodada.
No ano passado, a conceituada revista inglesa "Four Four Two" elencou os melhores cobradores de falta da atualidade. A lista tem o turco Hakan Calhanoglu, do Bayer Leverkusen, na liderança. Com apenas 21 anos, ele marcou 22 gols de falta nas últimas três temporadas contando partidas com as camisas de Hamburgo, Leverkusen e seleção turca.
Para Marcelinho Carioca, que marcou 513 gols na carreira sendo 59 em cobranças de falta com a camisa do Corinthians, existem três tipos de jogadores que batem faltas: "Tem o batedor de falta, o cobrador de falta e o especialista, que é o exímio batedor. Hoje em dia não tem mais especialista, tem um que se aventura a cobrar as faltas. Ninguém estuda o posicionamento do goleiro, a distância da barreira, a envergadura do goleiro, o pé de apoio e a chuteira que usa. Temos batedor e cobrador. Não nasceu ninguém mais com talento que dizem: 'Esse cara cobrando falta é meio gol'".
Marcelinho Carioca foi campeão mundial pelo Corinthians (Foto: Divulgação/Corinthians)
"O atleta não quer se especializar e o talento está escasso. O atleta está com muita pressa para ir embora, para fazer comercial, está preocupado com gel, brinco, mulher e festa. Ele tem que saber que com 30 anos está velho para o futebol e com 35 está parando. Aí não dá mais para voltar no tempo. Digo que ninguém faz um sacrifício inteligente. Crescer dói", completa o 'Pé de Anjo' em entrevista para o portal da RedeTV!.
"Os gols de falta não estão acontecendo mais justamente porque no meu modo de ver não existe treinamento. Os jogadores não se preparam o suficiente para converter as cobranças quando as oportunidades aparecem nos jogos", opina Marcos Assunção, um dos últimos especialistas brasileiros em cobranças de falta, à reportagem.
Revelado pelo Santos e com passagem de sucesso no Palmeiras, ele marcou 124 gols no fundamento em toda sua carreira. De acordo com Assunção, o que falta é vontade de se tornar especialista e decidir jogos através da bola parada. "Além do dom, você tem de querer. O dom por sí só não leva a lugar algum. Tem que treinar muito para chegar à perfeição. Falta treinamento e isso não digo que é problema na base. O jogador tem que ser seu próprio incentivador. Eu gostava muito, treinava até sem os técnicos me pedirem e muitas vezes sozinho".
Assunção foi campeão da Copa do Brasil pelo Palmeiras em 2012 (Foto: Reuters)
Marcelinho Carioca conta que assistia aos treinos de Zico no Flamengo. "Cresci no Madureira e treinava faltas com o ex-lateral esquerdo Cesar. Escutava os gols de falta do Zico pelo radinho de pilha do meu pai, que era gari. Fui para o Flamengo com 14 anos e na época o Zico treinava faltas às segundas e sextas-feiras. Eu fazia gols de falta no Madureira, percebi que tinha talento e pedi a ele se podia observar suas cobranças. O Zico me disse: 'Não só vai observar como vai treinar comigo pois sei que você faz gols de falta no primeiro ano do juvenil'. Fui meio tímido, mas guardei as primeiras cobranças. Ele também falou para eu chegar uma hora e meia antes do treino para fazer cobranças em diferentes lugares do campo, colocando o colete no ângulo, etc. A falta era como um prato de comida para mim. Ficava o dia inteiro na Gávea nos dias em que o Zico treinava faltas. O jogador tem que ter um algo a mais. Faça a diferença para ser diferente".
Em entrevista coletiva após a vitória do Fluminense contra o Atlético-MG pela 24ª rodada do Brasileirão, Gustavo Scarpa, que marcou um dos gols em cobrança de falta, revelou que o técnico Levir Culpi o proíbe de praticar o fundamento à exaustão: "Não treino 40 faltas por treino porque o professor não deixa (risos). Somente três de cada lado para não gerar lesões".
O 'Pé de Anjo' discorda de quem diz que treinar cobranças de falta pode desgastar a musculatura dos jogadores. "Não é o chute que vai desgastar o atleta. Isso é conversa pra boi dormir. Eu era meia e ajudava na marcação. Ia atrás do Mancuso, do Dinho... Quando tinha a semana livre, treinava 240 faltas, 120 na terça e 120 na sexta. Se tinha um dia livre reduzia para 60. Geralmente variava entre 200, 100 e 50 cobranças. Nunca deixava de cobrar pelo menos 10 faltas e sempre no dia mais próximo do jogo. Tudo isso exige sacrifício e disciplina. Hoje o jogador não quer, não vê DVD para saber como o goleiro se posiciona, quer tudo de mão beijada. E olha que eles têm salário alto e hotel bom".
Convidado em abril deste ano para dar aulas de cobranças de falta para os jogadores do Taboão da Serra, da quarta divisão do futebol paulista, Marcelinho Carioca acredita que os clubes deveriam contratar "especialistas". "Deu resultado meu trabalho no Taboão. Os meninos fizeram gols de falta. Acredito que os times deveriam ter especialistas em todas as posições. O Célio Silva, por exemplo, poderia ensinar tudo para os zagueiros. O Zenon, o Pita, para os meio campistas".
Ele explica como era o ritual de ajoelhar e conversar com a bola antes das cobranças. "Era um momento de concentração. O juiz apitou e o cobrador tem que esperar o máximo. Deixar o goleiro ansioso e nervoso. E tem um segredinho. Quando o goleiro mete a mão na cintura o batedor tem que executar o movimento. Às vezes o cara fala: 'Quero acertar na gaveta'. Oriento a pensar em acertar o gol antes de qualquer coisa. Eu também colocava o bico da bola na posição invertida, tipo 9 ou 10 horas do relógio. Isto para a bola fazer a curva. O pé tem que fazer a alavanca. Dependendo da distância eu pegava o meu pé como se fosse joystick", finaliza Marcelinho Carioca.
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