Economia do cuidado: o trabalho não visto e que tanto afeta as mulheres
Tema da redação do Enem, especialistas discutem os desafios enfrentados pelas mulheres que cuidam
(Foto: Freepik)
O primeiro dia do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) aconteceu neste domingo (5), e abordou na tão temida redação os ‘Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil’. A escolha do tema trouxe para o centro das discussões o papel feminino na estruturação da sociedade brasileira.
Cozinhar, limpar a casa, lavar as roupas, educar os filhos ou cuidar de algum familiar doente, fazem parte daquilo que consideramos como economia do cuidado e que, na grande parte das vezes, é atribuída a figura da mulher de forma gratuita.
Podendo ser entendida como o trabalho reprodutivo social, Carine Roos, socióloga e CEO da Newa, empresa de consultoria em DE&I e saúde emocional para as organizações, explica que a economia do cuidado pode ser vista como “todo trabalho mental, emocional e manual que é organizado de inúmeras formas, seja dentro do lar ou fora dele, de maneira remunerada ou não remunerada”.
Segundo o relatório ‘Tempo de Cuidar’, desenvolvido pela Oxfam, em 2020, mulheres e meninas ao redor do mundo dedicam 12,5 bilhões de horas, todos os dias, ao trabalho de cuidado não pago – uma contribuição de pelo menos US$ 10,8 trilhões por ano à economia global. No Brasil, 90% do trabalho de cuidado é feito informalmente pelas famílias, sendo que quase 85% é realizado por mulheres.
O cenário se torna ainda mais preocupante quando, se contabilizados, os trabalhos domésticos e de cuidados da família poderiam acrescentar 13% no Produto Interno Bruto (PIB) nacional, segundo um estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE).
A invisibilização do trabalho de cuidado
Apesar de extremamente relevante e essencial para a manutenção da sociedade, o ‘cuidado’ é invisibilizado, precarizado e distribuído de forma desproporcional, uma vez que mulheres e homens não realizam os mesmos papéis. De acordo com a socióloga, essa desigualdade de gênero teria suas raízes ainda no início da construção de uma sociedade capitalista.
“Na medida em que a gente tem a divisão sexual do trabalho, onde os homens passam a sair de casa para realizar esse trabalho remunerado, rentável, visto como de prestígio, a gente tem essa divisão sexual onde as mulheres, por historicamente serem vistas em uma sociedade patriarcal como mais 'afeitas' ao trabalho do cuidado, têm como maior responsabilidade de atribuição esse papel dentro de casa“, explica Carine Roos.
Hoje, a especialista vê esse trabalho de cuidado sendo extremamente naturalizado e acontecendo de duas formas: invisibilizado e não remunerado ou sendo remunerado, mas de maneira precarizada, de maneira informal. Ambos atingindo principalmente àquelas que estão em situações mais vulneráveis, ou seja, mulheres negras, étnicas e imigrantes.
A problemática social ainda impacta negativamente a inserção das mulheres no mercado de trabalho, que em 2021 atingiu 51,56%, representando um crescimento de 2,11% em relação ao ano anterior, mas uma diminuição de 2,78% em relação a 2019.
“A gente tem várias pesquisas mostrando que ao longo de 2 anos, depois que as mulheres retornam da licença maternidade, pelo menos 50% dessas mulheres são demitidas. Existe ainda uma punição, e não só a punição, mas uma naturalização desse papel ainda recaindo às mulheres”, relembra a socióloga.
Carine explica que uma forma de começar a mudança em busca de uma justiça de gênero seria levando a pauta para as empresas. Desta forma, elas poderiam criar políticas, práticas e processos estruturados para as cuidadoras, visando a equiparação da licença paternidade à licença maternidade, a igualdade salarial, a diminuição da discriminação dentro do mercado de trabalho e a conscientização de colaboradores e de lideranças para reconhecimento e ampliação dessa consciência em relação aos preconceitos inconscientes.
É importante também que parta da alta liderança exemplos desse pai afetivo, participativo, que inclui a rotina da família, dos filhos, na composição do trabalho. “Quando eu digo isso, é naturalizar essa função de líder e de pai dentro do ambiente de trabalho”, afirma Roos.
Quais os direitos dessas mulheres e o papel do Estado?
Para que essas mulheres consigam exercer seus trabalhos de uma forma menos precarizada é importante que o Estado esteja por trás, fornecendo apoio a elas, seja por meio de salário, subsídios, apoio às famílias com filhos (como creches), entre outros. No entanto, ainda hoje, existe uma falha pública ao enxergar — ou não — a economia do cuidado.
“O Estado não possui políticas ou programas voltados às pessoas que desempenham funções na economia do cuidado, a não ser os programas assistenciais, como o Bolsa Família, desde que se enquadrem nos requisitos do programa”, explica Zilda Eugênia Ferreira, especialista em direito do trabalho e previdência e sócia do ZFerreira Advogados.
A advogada ainda reforça que aquelas que fazem parte da economia do cuidado não podem usar sua condição na hora de exigir direitos, como herança ou separação. Isso porque são casos amparados pelo código civil e que “podem variar dependendo da situação individual ou familiar, como, por exemplo, o regime de casamento”.
Em relação a aposentadoria, o tempo ao qual essas mulheres dedicaram aos trabalhos domésticos ou familiares não será computado. Uma forma de driblar isso, seria através da contribuição para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) de forma facultativa, ou seja, pagando por conta própria.
Não é incomum que, ao cuidar dos outros, as mulheres acabem negligenciando a si mesmas. Neste processo, muitas delas acabam adoecendo. Para aquelas que trabalham com o cuidado não-remunerado, no entanto, a aposentadoria por invalidez não é uma opção.
Para que essas mulheres não fiquem desamparadas, Zildas deixa um conselho: “Em casos de invalidez, mesmo que a pessoa não tenha feito nenhum tipo de contribuição, é possível solicitar o Benefício de Prestação Continuada (BPC), quando atender alguns requisitos de baixa renda e se puder comprovar situação de incapacidade laboral”.
Veja também!
- Governo federal cobra resposta da Enel sobre apagão em São Paulo
- Perda de mercadorias ao trabalho no escuro: comércios com 72 horas de apagão relatam prejuízos
- Fronteira de Rafah entre Gaza e Egito é reaberta, diz embaixada
Confira o nosso canal 'Notícias RedeTV' no Youtube: