Tiroteios aumentam 37% durante intervenção no Rio, diz relatório
A Comissão Popular da Verdade (CPV) lançou nesta quarta-feira (25) um relatório apontando o aumento da violência nas favelas e periferias depois de decretada a intervenção federal no Rio de Janeiro. O documento compila informações levantadas por aplicativos, como o Fogo Cruzado, e por entidades, como o Observatório da Intervenção.
De fevereiro a junho deste ano, os episódios de tiroteios na região metropolitana chegaram a 4.005, 37% a mais do que os cinco meses anteriores, quando foram registrados pelo aplicativo colaborativo Fogo Cruzado 2.924 eventos, e 60% a mais que no mesmo período de 2017, que teve 2.503 registros. Esses tiroteios deixaram 637 mortos e 526 feridos.
Na Baixada Fluminense, Belford Roxo registrou aumento de 161% nos tiroteios e em Mesquita subiram 168%, na comparação com o mesmo período do ano anterior. Já o número de mortos por armas de fogo aumentou 55% em Belford Roxo e 67% em Duque de Caxias, na comparação com os cinco meses anteriores à intervenção.
Foram contabilizados 28 casos de chacina no período da intervenção, com um total de 119 mortos e dez feridos. Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), foram 2.358 vítimas de letalidade violenta no estado entre março e junho de 2018, o que representa uma redução de 2% em relação ao período anterior à intervenção e aumento de 5% na comparação com o mesmo período de 2017.
Os homicídios decorrentes de intervenção policial somaram 507 vítimas de março a junho, 9% a mais do que o período anterior à intervenção e 28% a mais que os mesmos meses de 2017. Comparando apenas o mês de junho, o aumento foi de 59,8%. O Observatório aponta ainda a diminuição de 39% na apreensão de fuzis, metralhadoras e submetralhadoras de fevereiro a maio na comparação com o ano anterior.
O relatório será apresentado a órgãos internacionais de defesa dos direitos humanos, como a Anistia Internacional, além de ser entregue ao ator norte-americano Danny Glover, que é embaixador das Nações Unidas para assuntos da população negra e fez uma visita em maio à Rocinha, comunidade da zona sul do Rio de Janeiro, em evento organizado pela CPV. De acordo com a comissão, Glover pediu os dados para denunciar os abusos a órgãos internacionais.
Reunião
Integrante da Comissão Popular da Verdade e do movimento Humanos Direitos, Virgínia Berriel explica que a comissão pediu uma audiência com o interventor, general Walter Braga Netto, para apresentar os dados, mas o encontro ainda não foi agendado pelo gabinete militar.
“Nós vamos levar os principais pontos, com as nossas recomendações. Vamos levar uma carta com cerca de 20 itens”, disse Virgínia.
“Por exemplo, as viaturas têm que ter câmeras, mas eles [policiais] desligam, e os blindados não têm câmeras. A gente quer que elas sejam instaladas e que funcionem, para a gente ver o que esses policiais estão fazendo. É muito fácil eles dizerem para a mídia que existiam seis ou dez traficantes. Mas quem investigou para saber se essas pessoas são ou não traficantes?”
Ela destaca que a sociedade civil se mobilizou para garantir que todos tenham seus direitos garantidos. “Nós não somos a favor da bandidagem, não defendemos bandidos, nem a milícia, mas não podemos defender uma polícia que mata, que executa, porque nós não temos pena de morte no país.”
Horas de pânico
Integrante do Movimento de Favelas e moradora da Maré, Gizele Martins, relata que aumentou o número de ações policiais nas comunidades e também a duração delas, sempre acompanhadas de tiroteios intensos e do uso de blindados.
“As operações policiais não são mais realizadas em duas horas. Agora são 10 horas, 12 horas, 24 horas de tiroteio. E com o uso cada vez mais de blindados, que são os caveirões, e os caveirões aéreos. Os tiroteios já deixam a gente em pânico, mas o uso dos caveirões deixa a gente mais em pânico ainda. Na penúltima operação na Maré teve o assassinato de uma criança, o Marcus Vinícius, mas também de outras sete pessoas”.
Na operação do dia 20 de junho, que vitimou Marcus Vinícius, os movimentos sociais contabilizaram dezenas de marcas de tiros no chão, provavelmente, disparados do helicóptero. De acordo com Gizele, aumentou também o número de desaparecimentos.
"A gente tem feito visitas em favelas e temos ouvido relatos de que esses corpos não têm aparecido. Nos anos 90 teve o aumento desses desaparecimentos forçados, abaixou nos anos 2000 e agora, com a intervenção, aumentou de novo. O Ministério Público e o Poder Judiciário não abrem as portas para a investigação desses casos e a impunidade faz com que os policiais e o próprio Estado brasileiro se achem livres para matar as nossas populações pretas, faveladas e periféricas”, completou Gizele.
Ela destaca também a falta de ações sociais nesses locais, que só recebem o braço armado do Estado. “Ações sociais e órgãos como Defensoria Pública, Câmara de Vereadores não chegam na periferia, só chega a polícia. A gente quer escola, saúde, direito a casa, trabalho. A gente mora porque a gente se reinventa a cada dia. A gente não tem direito nenhum respeitado. O único que o Estado garante para nós é a polícia, mas não como segurança pública”.
Recomendações
A comissão foi criada logo após o anúncio da intervenção federal por 58 entidades ligadas a movimentos sociais, de defesa dos direitos humanos e mandatos parlamentares com o objetivo de acompanhar as operações policiais nas favelas e periferias e denunciar as violações de direitos humanos. Entre as ações coordenadas pela CPV estão as visitas do prêmio Nobel da Paz Adolfo Perez Esquivel na Maré e do embaixador das Nações Unidas para assuntos da população negra, o ator norte-americano Danny Glover, na Rocinha.
O relatório traz seis recomendações para evitar a violação de direitos nas favelas: não utilizar o “caveirão aéreo” nas operações; divulgação dos gastos da intervenção federal; investigação dos casos de mortos e feridos nas operações; identificação dos agentes que participam da intervenção; adoção de estratégia de segurança pública que assegure os direitos dos moradores das favelas; e adoção de medidas de prevenção à violência com estratégias de inteligência.
Gabinete
O Gabinete da Intervenção Federal divulgou nota afirmando que se pauta pelos dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), “que vêm mostrando uma tendência de queda nos principais dados de criminalidade no Rio de Janeiro”. A respeito do pedido de reunião, o gabinete disse que, devido a “indisponibilidade de agenda”, não foi possível marcar uma audiência do interventor federal com a Comissão Popular da Verdade, no horário solicitado.