"Nenhuma criança que é adotada sai de um conto de fadas", diz pai defensor da adoção tardia
Maria Helena com os pais, Geninho e Eduardo (Foto: Arquivo Pessoal)
"Quando você adota uma criança, você adota uma história. Ela não está nascendo no dia em que você a conhece, ela traz uma história que precisa ser entendida e respeitada e ela vai precisar aprender a perdoar as pessoas que um dia fizeram mal a ela. Nenhuma criança que vai para a adoção sai de um conto de fadas".
É assim que Genivaldo Goes, pai e defensor da adoção tardia, descreve o processo de adotar uma criança com mais idade, que não acabou de sair de uma maternidade e já tem uma história - algumas vezes marcada por traumas - que precisa ser levada em consideração.
No Dia Nacional da Adoção, lembrado nesta sexta-feira (25), o Brasil conta com 8.743 crianças à espera de um lar, enquanto no Cadastro Nacional de Adoção há 43.579 pretendentes a adotá-las. Entre outros fatores, a discrepância entre esses dois números também se justifica por outro motivo: dos interessados, apenas 156 aceitam crianças de até 13 anos - o que significa que boa parte dos cadastrados possui preferência por bebês e crianças pequenas.
Casado há cinco anos com Eduardo Domingos, Genivaldo preside o Grupo de Estudos e Apoio a Adoção Anjos da Vida e foi na contramão das estatísticas. Há um ano e meio, os dois adotaram a pequena Maria Helena, que tem sete anos. Geninho, como é chamado, diz que ele e o parceiro nunca pensaram em optar por bebês. "Acho que as mulheres, principalmente, têm essa necessidade da maternidade, de sentir uma criança no colo, e isso é uma realidade", ressalta em entrevista ao portal da RedeTV!. "Trabalhávamos com certa flexibilidade para a criança que aparecesse. Sabíamos que seria a criança certa", lembra.
Como um especialista no assunto, ele explica que as preferências dos quem desejam adotar explicam por que os números da adoção não fecham no país: "83% das pessoas querem meninas de até 1 ano, quando a maioria das crianças nos abrigos tem mais de 5 anos, metade são meninos e muitos grupos de irmãos", afirma.
Preferências
Asclepiades Pinatti e os filhos (Foto: Arquivo Pessoal)
A assistente social formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Alessandra Campos acrescenta, em entrevista ao portal RedeTV!, que essa escolha pelos menores se deve a dois fatores: participar de todas as etapas da vida da criança e preocupação por tudo o que ela possa ter passado junto à família biológica. "Nas entrevistas, os casais falam do interesse em atravessar todas as fases da criança, trocar fralda, estar presente nas primeiras palavras e o início da vida escolar, por exemplo. Além disso, há ainda o receio de o que a criança possa ter passado, os traumas vividos, costumes e práticas adquiridas - com a família ou no próprio abrigo - que elas podem trazer consigo e eles possam ter alguma dificuldade em lidar com essas coisas", afirma.
Cientes de todas essas dificuldades, a paulistana Asclepiades Pinatti e o marido também fugiram à "regra" e adotaram Jéssica que, na época, tinha 8 anos. Embora não estivesse nos planos, Piddy, como gosta de ser chamada, já tinha adotado seu primeiro filho, Pedro Henrique, ainda bebê e estava com receio pelas dificuldades que poderia encontrar. "Eu ficava preocupada com a adoção tardia. A Jéssica já frequentava minha casa e quando ela fez oito anos resolvemos ir atrás do processo de adoção dela, que demorou quatro anos. Hoje ela já tem 14", compartilha ela, relembrando a experiência no início: "No começo realmente é um pouco estranho porque a criança tem toda consciência da situação. Você fica um pouco assustado porque não é algo muito tranquilo. Muda toda sua vida".
Fila da adoção
Jocélia e Vera Lúcia (Foto: Arquivo Pessoal)
Outro casal que não coloca empecilho na questão da idade é Jocélia Aparecida, de 34 anos, e Vera Lúcia, de 57, que se casaram há dois anos e logo na sequência deram início ao processo para adoção. O casal já está na fila e não possui preferência por idade, cor ou sexo e não enxergariam problemas caso precisem adotar irmãos. "Tínhamos colocado nosso perfil de zero a seis anos e depois aumentamos para oito [anos]. Não opinamos por nada mais. Colocamos também que a criança pode ter síndrome de down ou uma doença tratável. Estamos na expectativa de fazer a família crescer", garante Jocélia.
Podendo mudar de uma região para outra e envolvendo uma série de fatores que influenciam, o tempo de espera na fila de adoção pode variar entre meses e anos. Para Jocélia, a parte da questão burocrática que considera demorada é a chamada desintegração familiar. "Às vezes até tem o tipo da criança que a gente procura em algum lar, mas eles esperam que apareça a tia ou a avó para poder passar porque eles querem manter a criança em família e isso acaba prolongando um pouco mais a espera", relata ela, que mora em Balneário Camboriú (SC) com a esposa.
Para Genivaldo, que também mora na cidade catarinense, essa demora faz parte do processo e a justiça faz seu papel ao tentar manter a criança em seu meio familiar antes de avançar com a adoção. "Ela vem de uma família desestruturada, muitas vezes envolvida em questões como drogas, abuso, violência, alcoolismo. Então ela já vem fragilizada por isso, mas eles fazem o papel que lhes cabe, dando a chance da família se reconstruir e quando isso não acontece, há ainda a oportunidade de entregá-los a família extensa, ou seja, uma avó, um tio, porque é muito dolorido tirar a criança de seu núcleo", opina.
Grupo de apoio
Muitos casais encontram apoio no curso presidido por Genivaldo, que dispõe de psicólogos, assistentes sociais, advogados e médicos que dão todo o suporte. Jocélia e Vera participaram do curso e expõem a realidade. "É um curso bem gostoso, a gente sente bastante falta dele. Muitas pessoas quando começam, desistem, porque cai a ficha. (...) É uma coisa que vai deixando tudo bem claro para nós. A adoção, em si, e o dia a dia não são fáceis. Não é como chegar no mercado, pegar algo na prateleira e levar", comenta Vera.
Classificando a adoção como um "encontro de almas", Piddy não enxerga necessidade em falar que seus filhos são adotivos e diz: "É um vínculo de amor que nada distancia e acho que a única diferença que tem é que somos mais agradecidos do que com os biologicamente vindos. Os pais são agradecidos por esses presentes e esses presentes sabem, de alguma forma, que foram escolhidos por Deus e que tinham que estar aqui".
Vencendo o abandono
Segundo o livro 'Abandono Afetivo', de Charles Bicca, a criança abandonada pode apresentar deficiências em seu comportamento social e mental para o resto da vida. Há diversos estudos promovidos no sentido de comprovar os danos em menores negligenciados pelos pais e, de acordo com Isabela Crispino, “já é pacífico, entre as psicólogas e assistentes sociais, o entendimento de que criança abandonada pelos pais sofre de trauma e de ansiedade, que irá repercutir, diretamente, em suas futuras relações, fazendo-a perder sua confiança e autoestima”.
Defensor da adoção tardia, o pai da pequena Maria Helena aconselha pessoas que ainda sentem medo ou receio de adotar uma criança. "Não fique pensando, não faça por caridade, não faça pensando em plantar uma semente para que alguém cuide de você no futuro, não faça para tapar um buraco da solidão ou para esquecer alguém que você perdeu. Faça por amor", pontua ele, que ainda complementa: "Esteja preparado para muitas vezes receber aquilo que um ser tem de pior e você dar o seu melhor, porque no momento em que essa criança menos merecer, é quando você mais vai precisar amá-la. Então uma criança, principalmente na adoção tardia, é a oportunidade de alguém aprender a amar incondicionalmente".
Após ficar quatro anos apenas com a guarda provisória de Jéssica, Piddy relembra um momento emocionante com a filha e compartilha: "Muito tempo depois [de a termos adotado], estávamos em família, na casa da minha sogra, perguntaram para ela qual tinha sido o dia mais feliz da vida dela e ela disse: 'O dia em que eu vi a minha mãe pela primeira vez'".
Maria Helena com os pais, Geninho e Eduardo (Foto: Arquivo Pessoal)