Guerra entre polícia e PCC em SP completa 9 anos; 564 pessoas morreram
Por Luís Adorno/RedeTV!
Motins foram realizados de forma articulada em 74 penitenciárias do Estado no dia 12 de maio de 2006 (Foto: Agência Estado)
Os ataques da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) a agentes da segurança pública de São Paulo e a retaliação da polícia, que gerou caos na maior cidade da América Latina, completam 9 anos nesta terça-feira (12). Ao todo, entre 12 e 26 de maio de 2006, 564 pessoas foram mortas no Estado por arma de fogo. Tudo começou quando, em 11 de maio, a SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) decidiu transferir 765 presos para a penitenciária 2 de Presidente Venceslau, de segurança máxima, após escutas telefônicas terem revelado que organizações criminosas estariam planejando rebeliões para o Dia das Mães, que aconteceria no dia 14.
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A cidade que nunca para, parou. Com uma série de boatos, incluindo toques de recolher, o medo se instaurou em todo o Estado. O temor deixou a maior cidade do país deserta, até em seus horários mais movimentados. 40% das escolas e universidades, incluindo a USP (Universidade de São Paulo), a Unicamp (Universidade de Campinas) e a PUC-Campinas, foram fechadas. Comércios e repartições públicas também baixaram as portas. Um terço da frota de ônibus ficou na garagem depois de mais de 90 veículos terem sido incendiados em todo o Estado. Mais de 5 milhões de pessoas ficaram a pé porque os ônibus não circulavam à tarde. Até uma ameaça de bomba chegou a fechar o aeroporto de Congonhas, na zona sul.
Reportagem de maio de 2006: Relembre os primeiros dias dos ataques do PCC
Os números
De acordo com o estudo “Análise dos Impactos dos Ataques do PCC”, coordenado pelo sociólogo Ignácio Cano em 2009, pela UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), foram assassinados 59 agentes públicos, ao todo. Dos 505 civis mortos, 118 foram assassinados em confronto com a polícia, 50 foram vítimas de execução sumária individual, 35 de execução sumária por grupo não encapuzado, 53 por grupo encapuzado, 4 foram executados sumariamente por policiais, 10 morreram em ataques a delegacias, 6 em conflitos interindividual, 2 em acidente ou bala perdida, 21 por “outros motivos” e 206 por razões desconhecidas.
A maioria dos agentes públicos foi morta nos dias 12 e 13 de maio: 10 no dia 12; 23 no dia 13; e 8 no dia 14 de maio de 2006. Já a maioria dos civis foi assassinada entre os dias 14 e 17. O dia mais crítico foi o domingo (14), Dia das Mães, quando 107 morreram. No dia 15, foram mortos 84 civis; no dia 16, outros 75; e no dia 17, mais 65. "Esse quadro reforça a suspeita de que houve uma represália às ações do PCC, uma vez que a maior parte dos civis morreu nos dias seguintes", afirmou o sociólogo Ignácio Cano ao jornal “O Estado de S.Paulo” assim que o estudo foi divulgado. A partir daquele Dia das Mães, para cada agente morto, havia 10 civis assassinados. No dia 17 , essa proporção duplicou.
Reportagem de maio de 2006: Marcola é apresentado como líder do PCC
As vítimas
O documentário Crimes de Maio, de dezembro de 2012, revela que, dos 505 civis mortos, nem todos tinham ligação com a facção criminosa PCC. O filme serviu como TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) na Unip, em São Paulo, dos jornalistas Adriana Ferraz, Adriana de Luca Gouvêa, Ricardo Aguiar e Vagner Vital. “Houve o confronto e a polícia revidou. Ficou muito claro para gente que houve um revide. No início, mataram alguns policiais. Depois, começaram a sair matando para, de alguma forma, revidar. Não foram 505 integrantes do PCC que morreram. Isso é claro. Veja: a força do PCC não diminuiu, então não tem como falar que o ataque da polícia foi contra a facção. Muitas dessas pessoas não tinham ligação com o crime, nem passagem. Foram execuções”, afirmou ao portal da RedeTV! Vagner Vital. “A maioria das mortes eram execuções: balas no peito e na cabeça. Apesar das evidências, poucos agentes foram criminalizados até hoje”, completa.
Débora Maria da Silva, do movimento Mães de Maio, perdeu seu filho em maio de 2006 (Foto: Reprodução/Facebook)
Débora Maria da Silva, que completou 56 anos no último domingo (10), fundadora do grupo Mães de Maio, que reúne familiares de vítimas de violência do Estado, perdeu seu filho, Edson Rogério Silva dos Santos, 29, nos ataques de maio de 2006. Gari de uma empresa que prestava serviço à Prefeitura de Santos há 7 anos, Edson trabalhou o dia inteiro na data que foi executado. “Ele trabalhou mesmo estando com atestado médico, porque estava com pontos na boca. Meu filho chegou a varrer a rua onde foi executado”, diz Débora. Desde então, ela, e o movimento ao qual pertence, se dedicam em denunciar violações de direitos humanos, dar visibilidade aos crimes cometidos pelo Estado, além de se preocupar com a reparação aos familiares de vítimas de violência. Em 2011, o movimento Mães de Maio foi contemplado com o Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos. Em 2013, além do movimento ter recebido a Medalha Chico Mendes de Resistência, Débora recebeu o Prêmio de Direitos Humanos, a mais alta condecoração do governo brasileiro a pessoas e entidades que se destacam no enfrentamento às violações de Direitos Humanos no país, na categoria “Enfrentamento à violência”.
À reportagem do portal da RedeTV!, Débora disse que, depois de ter perdido o filho, entrou em profunda depressão e ficou 40 dias sem comer, bebia pouca água e sentia vontade de morrer. “Foi quando eu senti a presença do meu filho da cama no hospital. Ele me arrancou de lá. Eu pensava que era miragem, por causa dos remédios, que eram fortes. Até que, no dia seguinte, eu vi as marcas do dedo dele arroxeado no meu braço. Ele falava 'mãe, não fica assim. A senhora tem que lutar por Justiça. Luta pelos que estão vivos' e deixou uma missão pra mim”. A partir disso, o movimento surgiu em efeito dominó. “Via as mães chorando pelos crimes parecidos e fui procurando uma a uma. Nos juntamos, fomos para São Paulo. Em uma reunião do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) me deparei com um massacre que ocorreu naquele mês. Vi que era um negócio muito grande. Saí determinada que eu tinha que lutar“, afirmou.
Integrantes do Mães de Maio em protesto na Igreja Santa Margarida Maria, em Santos (Foto: Reprodução/Facebook)
“Foi muito difícil. Descaso. Sofrimento. Ninguém acreditava. A força que me move é a mensagem que meu filho deixou, que não sai da minha cabeça. Em todos os meus discursos, eu sinto a presença dele. O Estado não tem o direito de tirar os nossos filhos. Nunca vamos nos calar. Tentam criminalizar o movimento, porque estamos fortes, porque não é um movimento violento. Queremos apenas a paz construída com igualdade social”, diz Débora. De acordo com ela, só um caso teve Justiça até agora, quando uma testemunha ocular relatou que o atentado a três jovens no Jardim Brasil, zona norte, foi imprescindível para a condenação de um dos policiais envolvidos no crime a 36 anos de prisão, em regime fechado. O caso do filho de Débora não evoluiu na Justiça. “Se esses crimes tivessem sido julgados ou avançado, a gente acabava com essa prática abusiva do auto de resistência ou de grupos de extermínio matando nossos filhos de moto, carro preto e carro prata.”
O movimento Mães de Maio realiza desde domingo (10) a “Semana de Luta das Mães de Maio”, em São Paulo, em memória dos 9 anos dos crimes de maio. Às 7h de domingo, teve uma missa na Igreja Santa Margarida Maria, em Santos. Nesta terça-feira (12), às 8h, o ato “Nossos Mortos Têm Voz” se concentrou na praça da Bandeira, na Praia do Gonzaga. Amanhã, um protesto a favor de cortas e contra redução, terceirização e genocídio da população negra e periférica ocorre às 17hs no Largo da Batata. Já nos dias 18 e 19, uma série de debates ocorre no Rio de Janeiro. Publicada no Diário Oficial, a Lei 15.501/2014, que institui a Semana Estadual das Pessoas Vítimas de Violência no Estado de São Paulo, passa a ser data oficial, anualmente, entre os dias 12 e 19 de maio.
Reportagem de maio de 2006: MP cobrou a divulgação dos então 109 suspeitos mortos pela polícia
Com 36 mortes na carreira de policial militar, processos por homicídio e condecorações e honrarias da corporação, o deputado estadual Paulo Adriano Lopes Lucinda Telhada, o Coronel Telhada (PSDB), eleito com mais de 254 mil votos e que integra uma das 11 vagas da Comissão de Direitos Humanos na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo), negou ao portal da RedeTV! que os 505 civis mortos sejam inocentes. “Eram bandidos e não cidadãos de bem”, disse o ex-comandante da Rota (tropa de elite da Polícia Militar de São Paulo). “Você disse civis? Que susto! A polícia matou apenas bandidos, na luta que teve para encontrar aqueles que tiraram a vida de tantos policiais”, afirmou.
“Acho difícil a gente falar se é criminoso ou não baseado em ter ou não passagem pela polícia. Vários policiais foram mortos naquele ano e, em represália, na luta de achar esses bandidos, alguns deles morreram”, disse Telhada. “Antes de 2006, quando ocorreu o atentado, estávamos em uma crise muito forte em relação à população e à imprensa. Todos nos chamavam de violentos e assassinos. Depois de 30 anos de serviço, foi a primeira vez que vi a sociedade defendendo a polícia. Porque perceberam que, sem a polícia, a sociedade estará na mão do crime”, afirmou à reportagem.
Protesto em memória aos agentes de segurança pública assassinados ocorreu na manhã de sábado (9) (Foto: Reprodução/Facebook)
Na manhã do último sábado (9), ocorreu uma passeata entre o vão livre do Masp, na avenida Paulista, e o cemitério do Araça, em homenagem aos agentes de segurança pública mortos nos ataques do PCC. Organizada pelo deputado federal Major Olímpio (PDT-SP), a manifestação contou com a presença de Telhada, sindicatos, associações, entidades, deputados federais e estaduais, vereadores e familiares dos 59 agentes assassinados em maio de 2006. “Foi simplesmente para lembrar à sociedade que estamos com um problema muito sério na segurança brasileira. Porque quando o policial morre, parece que ele não é gente. Ele morre e ninguém liga pra isso. Quando morre 10 oficiais, ninguém nem se incomoda, parece que não tem mãe, filho e que não é um cidadão. Morremos como qualquer pessoa. Várias mães não puderam comemorar o dia delas no domingo. Sem a PM, iria ficar pior”, afirmou Telhada.
PM chora em velório de soldado em maio de 2006 (Foto: Agência Estado)
Corrupção policial em 2005
Cinco anos depois do confronto entre o PCC e o Estado, a Clínica Internacional de Direitos Humanos de Harvard, dos Estados Unidos, e a ONG Justiça Global apontaram, em uma pesquisa, que o ataque de maio de 2006 teve influência direta de uma ação de corrupção policial ocorrida um ano antes. Em março de 2005, Rodrigo Olivatto de Morais, enteado de Marcola, foi sequestrado por policiais civis de Suzano, na Grande São Paulo, e só foi solto depois de o suposto líder da facção ter pago resgate de R$ 300 mil. Na sede do Deic (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado), no dia 12 de maio de 2006, Marcos William Camacho comentou o sequestro de Morais: “Não vai ficar barato”, disse.
No inquérito elaborado pela Corregedoria da Polícia Civil, o delegado assistente, Hamilton Antônio Gianfratti, relatou que o crime dos policiais ajudou a deflagrar a revolta do PCC. "Aflora dos autos sérios indicativos direcionados à possibilidade deste fato erigir-se à causa deflagradora dos históricos e tristes episódios que traumatizaram o povo de São Paulo, traduzidos nos atentados em todo o estado pelo PCC", pontuou o agente. O secretário de Segurança Pública à época do estudo, Antonio Ferreira Pinto, afirmou que a corrupção policial era intensa naquela época e disse que, por esse motivo, centrava seus esforços no combate ao problema.
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De lá para cá
A letalidade policial no Estado de São Paulo não diminuiu após 2006, quando 608 civis foram mortos por agentes de segurança pública. Entre janeiro e novembro de 2014, 816 pessoas foram mortas por policiais militares no Estado, de acordo com levantamento feito pelo site “Ponte Jornalismo”. O número representa, em média, uma morte a cada 9,8 horas. No mesmo período, 69 PMs foram assassinados, no trabalho ou fora - média de uma morte a cada cinco dias.
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Apesar disso, José Vicente, ex-secretário nacional de Segurança Pública na segunda gestão Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e coronel da reserva da PM, afirmou ao portal da RedeTV! que, depois dos crimes de maio de 2006, a polícia conseguiu enfraquecer o PCC. “A grande lição daqueles ataques foi a necessidade de monitoramento das lideranças que estão presas. Naquela época, percebemos que o acompanhamento era muito frágil. Agora, a inteligência consegue antecipar ações pra enfraquecer as estruturas do crime. E enfraqueceu bastante: não temos mais rebeliões, fugas e mortes dentro das cadeias de São Paulo”, disse.
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De acordo com Vicente, depois dos ataques, a polícia captou informações de que houve uma rigorosa cobrança do PCC para revide. “Porque cerca de 500 morreram, mas 600 foram presos. Com isso, as operações criminosas foram prejudicadas. Houve queda grande no comércio da droga, que é o mais rentável do crime. A polícia apertou mais o cerco do tráfico”, afirmou. “Se houve excessos, cabe ao MP (Ministério Público) cobrar. Porque cada morte dessa, é um inquérito. Se o inquérito tem falhas, o MP tem que cobrar”, complementou.
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